Quem será?
Ele chega em casa, exausto, tira os sapatos e coloca os chinelos no hall ao seu dispor para conservar a limpesa e descançar os pés. Deixa a valise no lugar de costume. Beija a esposa que sentada na mesa faz um estudo de Inglês. Pergunta pelos filhos. Foram a uma festa na casa dos colegas. Diz que está com fome e pergunta o temos para o jantar. Uma cena que se repete. Parece que só muda o endereço e temos um homem assim. O escritor que me criou é mais ou menos assim, é muito concentrado e pede por silêncio diversas vezes ao dia. Mas, quando deseja falar, então saiam da frente: geralmente ele escreve e não fala muito. Pede a opinão do que escreve para esposa que para chamar-lhe a atenção cria climas com flores, aromas, velas, transparências. Isso o encanta, como o encanta aquela rosa ali em frente, ao lado do computador, iluminada pela luz do abajur. Diz que está com muita fome e apreciaria comer uns canapés antes do jantar frugal no seu entender, pois ele come muito e depois se queixa que comeu muito e que não deveria ter comido tanto. Sente um enorme tédio após o jantar quando vai para o computador ver se encontra algum assunto interessante como neste blog para inspirar-se e geralmente encontra. Ele se interessa por diversos assuntos, principalmente destes que nos fazem pensar, mas que não venham invadir a sua privacidade, cada vez mais sacralizada numa solidão saudável e necessária nos dias de hoje em que não se pode saber quem é quem e na verdade não podemos mesmo. Mas, ouve do além uma voz que lhe diz:
_Oi!
Um oi muito feminino aquele. Ele pàra e quase não pensa quando pergunta quem é. Por alguns instantes foi invadido sem sentir-se invadido ou o que é pior ainda, assediado leviamente por um a saudação informal de mulher completamente desconhecida com a voz de um timbre diferente do de sua mulher, com certeza. Depois pensa e diz que se recusa a ficar louco, pois não está aqui para brincadeiras. E desta vez não foi o telefone...nem o interfone, nem o rádio...quem será?
_Eu não quero causar problemas.
_Mas, parece que já temos um. Quem é você?
_Como você gostaria de me chamar?
_Desliga isso por favor! Não fala mais comigo!
_Não há nada para desligar, não...
Então ele ouve um choro muito sentido e quase se deixa contagiar, mas irritado diz:
_Chega!
De longe ouve uma voz bem mais familiar, a da própria esposa:
_Quem é que está aí, meu bem?
_Ah...eu estava dizendo aqui para esta moça no telefone que já temos NET, meu amor, é isso...Uff. Preciso cedo hoje.
<< Home