Foi assim
Eram um do outro aqueles dois, o masculino e o feminino, dois pontos de interrogação e muitas considerações exageradas haviam entre eles, pois a vida insistia em que não fossem de vez em quando ter uma conversa juntos, fosse num parque, no telefone, ou num destes cafés da cidade que possibilitam educação e finesse entre os clientes e garçons, onde poderiam simplesmente co-existir, fazer trejeitos, talvez nem dizer nada, no máximo tocarem-se de leve, pois o atentado ao pudor público é algo que causa imensa inveja. Mas, não. A imaginação crescia. Ele, para ela ao menos, pois Dorothéia contou-me melhor, era uma espécie de monstro genial, ser fantasmagórico, capaz de piruetas sexuais nunca vistas antes e de sussurar imitando todos os bichos no seu ouvido fazendo a gemer e retorcer-se toda de prazer. Não havia como o seu cheiro, um cheiro de homem como nenhum homem até hoje conseguiu cheirar causando com isso uma espécie de propaganda do produto que oferecia, o ser inteiro para que fosse acariciado, beijado, mordido e lambido e desejado, com anseio, quase com loucura, pois a coisa que ele mais detestava era a loucura e para seu desatino ela era completamente louca e por ele. Eram demais um para o outro e este exagero todo os afastou não permitindo que se aplainassem arestas através desta prática que nos amacia, nos desgasta, irrita e nos faz ponderar , o relacionamento rotineiro, ter consideração, espera, cansaço e pequenas decepções que acabam com qualquer mito. Mas, não, ele principalmente não queria isso. Por isso escondeu-se bem dela e ele lhe aparecia a noite, belo, belo, belo como uma estatua grega, como o chamava, com pequenos músculos trabalhados a sobresairem-se dos ossos onde todo o corpo era harmonioso e o olhar era esfumaçado como se sobre os olhos ateus sempre pairasse uma névoa que o protegia do mundo deixando aqueles olhos parecerem-se com uma figura onírica com vida própria se apartados do corpo com quem conviam em total unidade e iluminando a mais bela criação que o papai do céu havia feito na face da terra. "Ai, meu amor! Ai, meu amor! ai meu amor, como dói o amor!" Gemia Dorothéia no escuro sem pregar os olhos. "Ou será esta miséria que me resta?"
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