Peregrina nua e solitária
Sozinha e nua ela percorreu desertos. Tinha fome. Tinha sede. Medo e coragem a um só tempo.
Muito havia perdido. Desconfiara de elogios e de prêmios e não importavam mais as opiniões e as críticas sobre a sua vida. Tudo isso era coisa do passado. Agora estava sozinha e nua e ... E livre para ser, mesmo se havia dentro dela uma dor profunda de não poder dizer o quanto era parte de tudo isso. Seu calor, seu frio, sua sede crescente eram o que a faziam sentir-se viva e num delírio encontrou por um instante a fonte e jogou-se nela bebendo da água límpida, cristalina onde se enchergavam abaixo peixinhos dourados e banhou-se toda, mergulhando profundamente. Nunca fora tão feliz. Mas, tudo acabou-se num instante e hoje ela caminha só, cansada, com frio ou calor, fome e sede de tudo, mas trás viva na memoria aquilo que de todas as ilusões não é ilusão. Existe a fonte, existe a água límpida e abundante da vida no âmago mesmo do seu ser. O resto sim é ilusão. O resto sim termina. Seu corpo um dia será como uma roupa que não lhe serve mais. A memória da saciedade é a saciedade e portanto nesta miséria do mundo não há mesmo o que perder e na memória da Vida assim como ela é há tudo a ganhar, por isso ela anda o quanto pode, até não sentir mais as pernas para acordar-se com o canto dos pássaros e primeiros raios do sol e continuar andando. Caminhar é seu lema. Caminhar é preciso. Ela vai em busca de uma terra prometida da qual está tão perto e ao mesmo tempo tão longe que nem sequer distingue o longe do perto nestes caminhos mágicos que a física moderna traçou para sinalizar a estrada com sinais de esperança. Um dia chegaramos lá, oh Ema, e seremos tão felizes que iremos todos morrer de felicidade, pois felicidade mata.
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