<p>******)FILHA DO SOL E DA lUA(******</p>: A tua plantinha

Wednesday, June 28, 2006

A tua plantinha

Eu vou ficar aqui como uma planta deste jardim. Nunca devo sair daqui,
eu amei a fachada modernista,
o relógio cuco,
o Baile na Roça do Renoir com aquela menina sempre olhando segura para mim,
Os ocres, os verdes, os marrons,
os beges.
Eu gostei daquelas tortas que fazem mal,
do cheiro de baunilha e chocolate,
do beijo de moço.
Eu não saio mais daqui e quem me tirar daqui vai levar uma
mordida porque sou um planta carnívora enorme, poderosa e forte.
Eu tenho tragetória, vai ser muito difícil vocês me tirarem daqui.
Meu perfume ainda deve estar naquele quarto
onde a cortina leve balança ao lado da moça nua que vive tomando vento.
Que venha um exército me tirar desse lugar
que eu não saio, eu mordo, eu juro.
Eu me agarrerei nas tuas pernas e farei muito peso.
Pode chamar o meu pai, sim que o meu pai
não pode comigo, nunca pode. Minha mãe vocês não chamariam porque minha mãe é filósofa e pode estragar os planos de vocês.
Não é por estar assim tão monstruosa e deformada que eu sairei
daqui desta casa onde nunca sobra nada na
geladeira e não tem nada de baunilha para se comer no momento,
nada e chocolate, nem um beijo, nenhum abraço, nada, num dia de aniversário e nada,
mas eu sei que estas coisas se produzem, é só aguardar pacientemente,
por isso saibam que as minhas
raizes são tão profundas como as dos baobás e crescerei a sombra com a
beleza das orquídeas.
Porque afinal, certas pessoas não apreciam os casos mais raros?
Quando eu ficava naquele quarto eu não apenas fazia sexo ali dentro, eu fazia carinho, eu fazia amor.
Eu não conheço as minhas prisões.
Não quero ficar aqui neste jardim frio e úmido.
Não quero mais comer tortas de farinha branca,
Não quero mais misturar baunília e chocolate às amizades frágeis,
aos preconceitos, a essa crença tão brasileira no poder do dinheiro e do poder. Não quero que levem para uma clínica de dentes mentais
quando me mentiram que vão apenas me fazer uns exames. Não quero mais morder o braço de ninguém que me agarre para me levar a força para casa me metendo dentro de um carro.
Naquele jardim acho que nem
bate muito sol, rente ao muro. As grades hoje protegem tudo como um enorme presídio, pois os dias não são seguros neste país. As façadas modernistas são antigas e naquela plataforma quando que te perguntei porque não ficavas comigo, me respondeste com outra pergunta: o que eu faria da vida. "O que você quer ser e não sabe até hoje?" Não lembro o que eu estava estudando, não lembro se estava com alguma faculdade trancada. Estranho, não lembro mesmo...Me perguntaste o que eu fazia na Letras a anos atrás. Eu lhe respondi que queria ser escritora. Achaste uma grande pretenção. E me disseste como o seu pai já havia me dito que tu és um "brilhante" eu não. Não sou mesmo. Eu sou destas flores que nascem à sombra como as orquídeas. Quizera ficar presa no teu jardim. Muitas vezes eu adoeci, por isso não tenho um futuro brilhante, mas eu escrevo, mas eu desenho, canto mais ou menos, faço comida, todo o serviço de casa, e tu nunca vais precisar de dinheiro, tu és um homem rico que me libertaste daquele jardim inóspito, entre espadas de São Jorge, entre samambaias e se haviam cores ali além do verde, do bege, do marrom, eu não sei. Porque não vejo outras cores na vida.
Eu sou uma planta de meia luz, meia sombra. Por isso amo a tua boca e moraria dentro de ti,
se eu fosse gripe viveria te pegando.
Quando abriste minha gaiola eu não soube voar. Até hoje ainda bato minhas asas e faço alguns ensaios, depois tombo no chão estatelada,
presa ao teu vulto, ao vulto da tua mão que parece prometer carícias e migalhas, pela força da propaganda, marketing... Então vejo o que posso fazer para vender meu peixe também e sou charmosa, não bonita, nem nunca, podendo ter charme às vezes. Não somos melhores ou maiores uns que os outros e para onde quer que sigamos isso deverá dar certo, pois há sempre um lugar lindo para se viver. Fui obrigada a sair do jardim e da ilha e desatino um pouco quando percebo que o mundo se abriu para mim, o mundo todo, a rede, e,
sinceramente eu desesperaria se não fossem tantas as minhas tocas, os meus esconderijos,
bem mais seguros que o jardim do prédio onde tu vivias, onde eu não era querida e nem fui desejada como as pessoas "normais".